terça-feira, 29 de julho de 2008

Mergulhando em bananeiras.

Em alguma época da história, foi inventado o tempo. Claro que o tempo sempre existiu, mas a consciência do próprio nem sempre. Os humanos começaram a sentir a necessidade de controlar tudo o que faziam, e atribuíram essa função ao tempo. Com a chegada do tempo, vieram também as obrigações, e com isso, a rotina.

Dia comum de uma pessoa comum: acordar na mesma hora todo dia. Tomar o mesmo café da manhã, o mesmo banho, ler o jornal daquele respectivo dia. Sair de casa para ir para o mesmo lugar, pegar o mesmo trajeto com o mesmo trânsito. Trabalhar na mesma mesa, com o mesmo computador, conversar com as mesmas pessoas sobre os mesmos assuntos chatos e supérfluos, almoçar no mesmo lugar, voltar ao trabalho de novo, e no final do dia pegar o mesmo caminho ao contrário, desta vez com mais trânsito ainda. Chegar em casa, comer, tomar banho, dormir. E ainda se preocupar com quantas horas vai dormir para que no dia seguinte possa repetir a mesma coisa novamente.

Quantas vezes por dia ouvimos ou pensamos coisas como “não vai dar tempo”, ou “é hora do almoço, do jantar, da novela, etc.”? Ou ainda “Já era hora” “Você está atrasado”, e tudo mais? Quantas vezes não nos preocupamos com os milhões de horários, de afazeres, de complicações?

As pessoas são praticamente obrigadas a almoçar entre o meio dia e as duas da tarde, só porque todo mundo faz igual. Comer salada e fazer exercícios só porque faz bem, assistir ao noticiário só para não se passar por ignorante. “Não durma tarde” “Não beba isso” “Não chegue depois da meia noite” “Não admito” “Não deixo” “Não quero” NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO E NÃO!!!!!!!!!!!!

No final das contas, a única coisa que estão querendo nos dizer é: “Não mergulhe muito fundo. Fique no raso, na margem de segurança, veja como aqui é seguro, aqui você não pode se afogar.”

O objetivo deste texto não é ir contra todos os costumes da sociedade, é sobre descobrir uma verdadeira paixão. Algo que te faça mergulhar de cabeça, bem lá no fundo, e não ter medo de se afogar.

Se eu amo tomar sorvete, porque não posso fazê-lo no frio? Se eu me sinto muito mais confortável descalça, porque teria que usar sapatos? Se eu quiser almoçar às três da manhã, o que isso muda? Se eu quiser passar minha vida inteira plantando bananeira, isso muda minha relação com as pessoas ao meu redor? Vão me achar louca e por isso me abandonar? Vão tentar me convencer de que ninguém vive só de plantar bananeiras ao ar livre? Pois eu lhes digo: se plantar bananeiras for minha paixão, bananeiras plantarei.

Todos nós deveríamos agir de acordo com as nossas vontades e não de acordo com um consenso imposto pelo mundo. Não está com sono? Não durma. Está com sono? Durma. Simples assim. Não gosta do seu trabalho? Demita-se, dinheiro só é problema se você lhe der importância. Não, não acho que todos devemos fazer festa nas ruas e vagabundear por aí. O que eu digo é muito mais do que isso, é ser sincero consigo mesmo. Como já disse, não falo de anarquia, falo de paixões com propósitos.

Falo de quebrar a rotina, de dar menos importância a coisas que não deveriam ser tão levadas a sério. Falo de chacoalhar a pessoa ao lado e perguntar se ela realmente está satisfeita com a sua vida de pessoa comum. Se estiver, ótimo, nada melhor do que estar satisfeito. Se não estiver, faça-a a perceber que vida só há uma, e que não adianta ficar esperando algo de extraordinário acontecer sentado em uma cadeira.

E não falo daquela baboseira toda de carpe diem, aproveitar a vida ao máximo, fazer tudo ao mesmo tempo por achar que lhe falta tempo. O tempo é a coisa mais besta que a humanidade inventou. Deveríamos viver de acordo com nós mesmo, e não de acordo com o tempo, seja aproveitando-o ou jogando-o fora, o que mais lhe convier.

Em um resumo simples: Mergulhe em bananeiras. Ter medo de se afogar é inevitável, mas uma vez que você chega ao fundo, será como nada que você já viu antes.

Copos.

Eu acho fantástica a idéia de comprar um requeijão, e de quebra, ganhar um copo. Não existe coisa mais simples e prática do que isso. Precisa de um copo? Compre um requeijão.

Quando eu era pequena eu adorava copos de requeijão. Principalmente aqueles todos coloridos com desenho. Quando eu viajava para Tatuí com o Nerilis, na casa dele sempre tinha copos com desenho, eu achava muito legal.

Aí eu fui crescendo, todos fomos. E de repente, copo de requeijão passou a ser uma coisa feia, motivo de chacota entre os mais esnobes. Copo de pobre. Copo que pobre compra porque não tem dinheiro pra comprar outro melhor.

Copo é copo. Serve para encher de líquido e beber, nada mais que isso. Eu não vejo o motivo de preconceito contra copos. Claro que sempre haverá copos mais bonitos, como um que eu vi outro dia. Ele tinha uns reflexos azuis, um quê de bioluminescência, e o mais curioso disso é que a cor parecia vir de baixo, entretanto, quando você virava o copo para ver, a cor parecia vir dos cantos, impossível achar de onde vinha!

Copos de vidro, copos de plástico, copos de cristal, coloridos, copos de acrílico, todos copos. Quando eu crescer e tiver minha própria casa, eu vou tomar café da manhã com copos de cristal, almoçar com copos de plástico e servir copos de requeijão para as visitas. Algumas pessoas com certeza vão rir, ou falar que é falta de educação, mas no fim, qual é mesmo a grande diferença?

De qualquer jeito, eu continuo achando fantástica a idéia dos copos de requeijão.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Sabrina.


A Sabrina é minha amiga há mais ou menos dez anos.

Lembro muito bem quando a gente se conheceu. Era verão, eu estava com dor de ouvido e alergia a chocolate, ela estava com fome e sede. Com isso, eu a acolhi em minha casa alugada de praia, no Lázaro, em Ubatuba.

Trouxe-a para São Paulo para morar comigo, e desde então nos tornamos amigas inseparáveis. Era difícil me acostumar a dividir tudo com ela, mas com o tempo aprendi a dividir meus cobertores, minha cama, minhas roupas, minha comida e minha paciência.

A Sabrina não é nada fácil. Só toma água se for bem gelada no copo de vidro, e peixe então, só salmão e olhe lá. Senta em cima do meu computador sem nenhuma cerimônia, sem contar o fato de que ela gosta de me irritar fazendo barulho com moedas de noite e insiste que eu dê comida para ela na boca! Eu não dou não, porque depois de dez anos eu ainda acredito que ela tem que aprender a comer sozinha, morrer de fome ela com certeza ela não vai. E também tem as incontáveis vezes que ela me acorda no meio da noite para que eu satisfaça algum de seus desejos, como abrir a porta do quarto, entrar debaixo das cobertas e tudo mais.

Apesar de toda a folga sem vergonha, ela já me ajudou em várias situações. Me faz companhia sempre que eu estou doente e preciso de descanso (descanso é com ela mesmo), sempre percebe quando eu estou triste e vem me consolar de algum jeito. Ela é uma das pessoas (ela tem certeza que ela é uma pessoa) mais sensíveis que eu já conheci, sabe o que fazer ou falar na hora certa.

Ela também já passou por alguns perrengues na vida. Morre de medo de secador, aspirador, e como foi recentemente descoberto, tem medo de bolinhas de sabão. Foi muito duro para ela quando nós decidimos acolher seus irmãos adotivos. Primeiro veio a Nikita, quando ainda era bebê. Encontramos Nikita no nosso jardim e decidimos cuidar dela. Apesar de ter sido criada em berço de ouro, ela se tornou um tanto quanto brava. Chegar perto dela às vezes é sinônimo de loucura, mas ela é tão bonita e gordinha que é impossível resistir.

Depois veio o Ô-Ô. Sim, esse é mesmo o nome dele. O ô-ô já chegou numa idade avançada, mas resiste bem o velhinho. É tão bobão que você pode virá-lo de ponta cabeça, jogá-lo pra cima que ele não faz nada. Mas tome cuidado, quando ele se irrita é encrenca na certa, sua vida nas ruas o ensinaram muitas coisas. Alguns anos depois, veio a Molly. A Molly é meio chata para falar a verdade. Nunca conheci alguém tão carente e inconveniente em toda a minha vida. Grudenta, faz questão de colar no meu pé a toda hora. Mas ela é fofinha de vez em quando.

A Sabrina também já passou por momentos difíceis quanto a sua saúde. Certa vez, fomos a um médico que receitava anticoncepcionais para ela, e num momento posterior descobrimos que ela já não possuía mais útero, uma maneira para extorquir dinheiro e prejudicar sua saúde. Ao longo dos anos, ela contraiu doenças de pele várias vezes, devido ao stress e uma possível alergia a leite, ficando com uma aparência desagradável, que mais lembrava um aborto genético. Recentemente, ela operou um negócio calcificado que começou a crescer para fora de sua barriga, e com a recuperação da cirurgia, também seus pêlos voltaram ao normal e sua saúde está intacta.

Nós brincamos muito, eu e ela, mas às vezes ela exagera e nós acabamos brigando. Brincar com ela pode ser perigoso se você não estiver acostumado a se esquivar rápido de seus golpes. Normalmente, ela corre atrás das minhas mãos, tentando pegá-las, às vezes até brincamos de pega-pega, mas ocasionalmente eu me irrito e acabo quase mordendo ela também. Nunca a mordi não, mas de vez em quando eu a deixo de castigo, proibida de deitar em cima de mim pelos próximos cinco minutos, mais tempo do que isso eu não agüento.

Apesar de sua vitalidade e sua saúde estar boa, não posso negar que já nos conhecemos há dez anos, e que antes disso, eu não faço a menor idéia há quanto tempo ela já existia. Portanto, é verdade quando digo que não faço a mais porca idéia de quantos anos ela tem. Eu calculo que deve ter uns 12, 13, mas quem sabe?

O dia que ela morrer, duas coisas podem acontecer: ou ela continuará sempre viva comigo em meu coração, ou uma parte de mim morrerá junto com ela. Eu, particularmente, acho a 1ª opção mais agradável.

Mas por enquanto deixemos esse assunto de lado.

Para mim ela é eterna, e sempre vai ser.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Revolução dos Peixes.

Lago Titicaca, altiplano dos Andes, fronteira do Peru com a Bolívia.


Naquele sábado, Junya Atawalpa descansava no leito do lago como fazia todos os finais de semana, desde seus cinco anos de idade. O dia estava tranqüilo, o sol brilhava na linha do horizonte e lua localizava-se logo acima, em uma imponente forma de meia lua. Para os turistas, aquilo era uma imagem maravilhosa, mas Junya já estava acostumado com a beleza do lugar e não se surpreendia facilmente.

Distraído em meio a seus pensamentos, avistou um pacote de salgadinhos e começou a comer, quando se deu conta de que o pacote não estava lá antes. Neste momento sentiu uma dor excruciante, de uma lâmina afiada perfurando o seu céu da boca até atingir seu osso temporal e sair logo acima da sua orelha direita.

Quando ele finalmente se deu conta de que se tratava de um tipo de anzol gigante amarrado a um fio, algo começou a puxá-lo para baixo e para frente, diretamente para o lago. Por mais que ele tentasse impedir, aquela força era mais forte do que ele, e acabou sendo levado água abaixo.

Essa tal força o estava puxando rapidamente, cada vez mais para baixo e Junya começou a perder a pressão. Apesar de ser um ótimo mergulhador em águas marinhas, mergulhar em rios, principalmente em altas altitudes, era outra história. Com o aumento da altitude, a pressão atmosférica diminui gradativamente, e isso faz com que os mergulhadores tenham que realizar certos ajustes no ato da descompressão, e Junya não havia aprendido a fazer esses ajustes. Seu fôlego, pelo menos, era excepcional.

Ele olhou com mais atenção para a criatura que o levava e percebeu que se tratava de um enorme peixe, cuja espécie ele não conseguia definir. O que era extremamente estranho, já que nessa época do ano, o verão, o aquecimento das águas marinhas nos vales fluviais provoca a morte dos plânctons, o que conseqüentemente leva à diminuição de peixes na região.

Ao chegar ao destino, Junya se viu em meio a vários outros peixes iguais. Eles eram gordos, enormes, tinham dentes descomunais que saíam da boca, o que lembrava a aparência de piranhas, só que numa proporção muito maior do que piranhas comuns. Mas o mais esquisito de tudo isso é que esses peixes estavam se comunicando de algum jeito. Todos pareciam ter suas próprias tarefas e saber o que faziam.

Junya foi posto em uma espécie de tábua de pedra e três dos peixes esquisitos começaram a examiná-lo, pareciam sorrir enquanto o observavam perder o ar e desesperar-se. Um dos peixes moveu sua barbatana em direção a ele, e logo ele soube que barbatanas eram um instrumento ótimo para retirar pele humana. Junya foi obrigado a testemunhar um peixe retirando sua pele, e mais peixes se juntarem ao trabalho, até que Junya se transformasse em músculo apenas, irreconhecível.

Esse foi o primeiro caso de pessoas pescadas por peixes. No mundo inteiro, tanto em lagos como nos oceanos, casos semelhantes começaram a acontecer. Nem sempre os peixes comiam suas vítimas como aconteceu com Junya, às vezes as pessoas até eram devolvidas para terra firme depois de levadas para o fundo.

E esse foi apenas o início.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Live alone, die together.

People...

I never understood why there's a different word for the singular (person) and the plural (people).

It actually doesn't make sense at all, a lot of "persons" named with their own word, cuz people really don't stay much longer.

No matter what you do, no matter what you say, one day they finally leave.

They might not physically leave, but you know they're not the same. You know they're there for some particularly reasons that you prefer not to mention to anyone. Or you might mention for a few people, but it wont matter anyway, cuz these few people one day will be leaving too.

You know what they say, "live together, die alone"! I might as well say, "live alone, die together", cuz the only thing all people in this world together do is die. That's something you can't avoid, can you? It's common law.

One way or another, they always come and go. Mothers, fathers, friends, lovers, they're all the same. Heart breakers, reckless people, who don't give a shit.

And when you decide you love them deeply, that's when they leave, and in consequence you become more and more in love, because you really miss them. Every thing you do and see, reminds you of them, but there's really nothing you can do about it. You dream about them every single night for YEARS, and still, they just don't care, do they?

And when you get a chance to meet them accidentally, they make sure to show you how happy they are and how much they don't need you. You can't stand staring at them, so you pretend you don't mind, you even pretend you don't love them anymore. But then there comes the night, and you can't hide from your dreams.

I wish that that sentence was right, that we really could live together and die alone, or die together, too. But unfortunately, i realized that's not possible.

I wish I didn't need anyone, cuz in the end, everybody leaves.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Alívio.

O dia em que Tom nasceu foi um dia como outro qualquer. Em meados de outubro, o tempo estava começando a esfriar e chovia lá fora. Como sua mãe saíra desprevenida de casa naquele dia, e a chuva viera de repente, ela, Lynette McGregor, havia se molhado muito na volta para casa, não percebendo que sua bolsa estava agora rompida, e seu filho, prestes a nascer. Somente com a chegada das cortantes contrações ela se deparou com o inevitável: teria um filho nos próximos momentos, e precisava chegar logo ao hospital.

Sua chegada ao hospital foi tranqüila, assim como o parto e seu pós-operatório. Seu filho, batizado com o nome de Tomas McGregor, era completamente saudável. Pesava por volta dos 3 quilos e meio e tinha cabelos muito pretos e finos, como os do pai. Pelo que tudo indicava, parecia que seus olhos eram castanhos, mas dentro de alguns dias de vida, se revelaram verdes, como os da mãe.

Contradizendo toda a normalidade do seu nascimento, Tom não era um menino nada convencional. Alguns diziam que ele tinha algo de misterioso, outros o chamavam de louco, outros simplesmente o descreviam como esquisito. O fato é que Tom tinha algo de diferente, e ninguém poderia sequer imaginar o que era.

Desde que Tom nascera, era desenvolvera uma estranha habilidade: ele podia sentir o que os outros estavam sentindo, e isso o afetava de várias maneiras. Demorou um pouco para Tom perceber o que exatamente acontecia com ele, uma hora ele começava a rir incontrolavelmente, tinha acessos de raiva furiosos ou até mesmo começava a chorar em situações totalmente inusitadas. Nenhuma criança ousava chegar muito perto dele, nem mesmo os adultos gostavam muito de sua companhia, pois ninguém sabia qual seria sua próxima reação.

Tom não conseguia entender o porquê de seus sentimentos, não compreendia porque ele havia chorado numa ida ao circo ou porque ele havia batido em quase todos os seus colegas de classe. Mas uma coisa era certa: ele sempre percebia quando alguém estava mentindo.

Permita-me deixar as coisas um pouco mais claras. Tom nunca conseguira acreditar em Papai Noel, Coelho da Páscoa ou Fadinha do Dente, por saber quando sua mãe estava inventando histórias para ele. Agora imaginem como sua infância foi difícil, seus colegas sempre queriam brincar de algo relacionado a conto de fadas e historinhas infantis, e ele ficava tentando convencê-los de que elas não existiam. E quando alguma das crianças ficava brava com ele, ele podia sentir a sua raiva e se tornava agressivo, e logo ele percebeu que o melhor para ele e para os outros seria se ele simplesmente se afastasse de todos.

Conforme ele foi crescendo, começou a entender da onde vinham todos aqueles sentimentos que não pertenciam a ele, vinham de outras pessoas. Com o passar dos anos, Tom foi aprendendo a separar os seus próprios sentimentos dos sentimentos alheios, mas nunca deixou de senti-los. Durante muito tempo ele tentou ignorar os sentimentos dos outros, mas isso foi ficando cada vez mais difícil.

Aos 12 anos, Tom havia há muito tempo perdido o respeito pelos seus pais. Somente ele sabia a capacidade do ser humano de dissimular, e por mais que seus pais tentassem, eles não conseguiam amar Tom pela pessoa que ele era. Era mais do que óbvio que eles foram ficando mais desapontados à medida que Tom crescia, como todos, o achavam muito estranho e tinham certo medo dele.

Ele não sabia realmente o que uma amizade significava. Jamais havia conseguido confiar em ninguém, e nem queria. Por sua condição especial, Tom achava que era único, e que não precisava de mais ninguém para enganá-lo.

Sua sorte no amor fora a mesma. Aos 19 anos, Tom começou a sentir necessidade de companhias femininas, mas nenhuma garota era boa o suficiente para ele. Às vezes, ele percebia que a garota gostava muito mais dele do que ele dela, outras, ele sabia que ele havia se apaixonado e ela não. Mas o pior de tudo não era isso, era saber exatamente quando elas queriam esconder algo.

Durante toda a sua vida, Tom procurou alguém que fosse puramente verdadeiro, mas nunca obteve sucesso em sua empreitada. Ele conheceu uma boa mulher e casou-se com ela, mas o casamento não foi duradouro, como nenhum de seus romances desde então.

Trabalhou como detetive na área de homicídios a vida inteira, entrevistando possíveis culpados para os crimes que ele investigava. É claro que ele sempre sabia quem era inocente ou culpado, mas muitas vezes a justiça não era feita por falta de evidências, e muitas vezes ele era obrigado a assistir pessoas inocentes irem para a prisão por culpa de falsas evidências.

Sua vida havia sido dura, mais difícil do que a vida de qualquer outra pessoa no mundo. No seu 83º aniversário, a morte veio lhe fazer uma visita, e quando ele a viu, perguntou: “Porque demorou tanto?”

Ela lhe deu um sorriso e o levou para sempre.

De seu primeiro casamento, nasceu Matthew McGregor, meu pai. Matthew, ou Matt, como era chamado, fez questão de usar a sua habilidade para outros fins. Viciado no jogo, usava o seu dom para trapacear em cassinos do mundo todo e se divertia com festas e mulheres à vontade. O fato de que ele nunca conseguiria amar ou ser amado nunca lhe incomodou.

Eu o vi apenas uma vez, o meu pai. Ao lhe dizer que eu era seu filho, eu imediatamente soube que ele não queria saber de mim, então nunca mais o procurei. Mas antes de despedir-se, ele me deu o telefone de seu pai, Tom, e me disse para procurá-lo.

Quando conheci o meu avô, pude sentir que ele estava realmente feliz em me ver, mas também senti uma tristeza profunda, como a que eu sentia. Eu perguntei para ele se algum dia isso tudo ia parar, e ele disse que eu poderia tentar me acostumar a viver com isso, mas que não pararia por mais que eu quisesse.

Durante anos eu tive raiva da minha situação, e durante anos eu tentei mudá-la de algum jeito. Tentei usar esse “dom”, que eu apelidei carinhosamente de “maldição”, para o bem das pessoas, como o meu avô fazia, mas não houve meios de parar minha própria frustração.

A história que eu acabei de lhes contar, foi a história de meu avô Tom, que ele me contou pouco antes de morrer. A minha história, veja bem, não foi nada diferente da dele. Por isso, espero que vocês todos entendam o meu sofrimento, e percebam que eu não posso mais levar essa maldição à diante.

Estou desistindo da minha vida, pois isso não é viver, e sim morrer um pouco mais a cada dia. Assim também estarei fazendo um favor aos filhos que não terei.

É com grande alívio que eu escrevo minhas últimas palavras.