quarta-feira, 18 de junho de 2008

Algodões Lácteos

Era uma vez uma menina colorida que se chamava Lisa.
Lisa era uma menina muito doente, e por isso, sua mãe nunca a havia deixado sair de casa no inverno. "Deixe-me sair mamãe, de nada vale a vida se ela não é aproveitada" - dizia Lisa. E sua mãe respondia: "Minha filhinha, meu amor. Se você tornar a ficar doente mais uma vez, a culpa será toda minha, não posso deixá-la sair neste frio tão intenso."
E assim foi a vida de Lisa, durante o verão e a primavera ela ia à escola, brincava com seus amigos e fazia tudo o que uma criança normal faz. Quando se aproximava o outono e o inverno, ela passava a ter aulas em casa e todas as janelas permaneciam fechadas, até que o calor voltasse.
Durante todo o período de frio, Lisa ficava tentando escutar o que se passava lá fora, e sempre ouvia um barulhinho muito peculiar, como a chuva caindo, mas de uma maneira muito mais sutil.

No seu décimo primeiro Natal, ela bolou um plano. Sairia de casa para descobrir o que era aquela coisa que caia tanto, não podia mais se conter de tanta curiosidade.

Então, quando sua mãe estava fazendo jantar e seu pai estava ao banho, Lisa abriu a porta de sua casa. E ao abrir, ela se deparou com uma cena totalmente diferente do que ela estava acostumada, uma cena muito branca.

Encostada no vão de sua porta, ela pensou que fosse só a luz ofuscando seus olhos, como sempre acontecia quando ela saia de casa depois do inverno, mas depois de um tempo ela reparou que seus olhos não estavam se acostumando, e então pensou que o mundo deveria ser branco assim mesmo nessa época do ano.

Maravilhada com a imensidão branca, ela se lembrou: “Tenho que descobrir o que é que tanto cai na minha janela.” E então, ela finalmente viu: Milhares de bolinhas brancas lentamente caindo do céu. Num ímpeto de euforia, Lisa saiu correndo em direção a elas, e quando as encontrou, começou a jogar as bolinhas para o alto, e pular, e correr.

Qualquer pessoa que visse Lisa naquele dia não saberia dizer se ela estava rindo ou chorando, mas diria com certeza que aquele foi um dos momentos mais emocionantes de sua vida.

Foi aí que Lisa lembrou de sua mãe, e de como ela ficaria zangada se a visse naquela situação. Por isso, decidiu que entraria de volta em casa, mas não sem antes pegar uma das bolinhas e colocá-la em seu bolso.

De volta ao seu quarto, Lisa tirou a bolinha do bolso, e reparou que ela era feita de alguma substância aquosa, e percebeu que mais cedo ou mais tarde ela iria acabar derretendo. Até isso acontecer, Lisa guardaria sua bolinha dentro de sua gaveta, para que sua mãe não a visse e descobrisse sobre a sua fuga.

Muitos dias se passaram, e durante todos esses dias Lisa espiava pelo menos três vezes ao dia a sua bolinha, que permanecia intacta dentro de sua gaveta. Lisa então decidiu que a bolinha não poderia ser feita só de água, mas que deveria ser composta de uma substância um pouco mais densa, e passou a chamá-la de algodão lácteo.

As coisas não poderiam estar mais perfeitas. Lisa havia ganhado muitos presentes de Natal, as festas tinham sido ótimas, ela não precisava mais se perguntar o que havia de tão extraordinário lá fora, e o melhor: ela tinha um algodão lácteo só para ela.

Passados quinze dias desde a aquisição do seu algodão, Lisa começou a tossir. E no que ela começou a tossir, ela ficou resfriada, e depois veio a febre. Sua mãe estava desacreditada, como Lisa teria ficado doente? Ela havia sido tão cautelosa, seguido todas as regras fielmente, como seria possível?

Em vista do desespero da mãe, Lisa decidiu contar a ela o que tinha feito. Ao contrário do que ela tinha pensando, sua mãe não ficou brava, nem gritou com ela, nem a pôs de castigo. Inacreditavelmente, sua mãe começou a chorar, pois havia percebido que isso sim era sua culpa. Se ela tivesse deixado Lisa sair, mas com roupas apropriadas que a protegessem, se tivesse ao menos deixado a janela aberta, nada disso teria acontecido, e Lisa não teria ficado doente.

A mãe de Lisa lamentou-se, pediu desculpas à filha e admitiu a ela que nunca deveria ter feito o que ela fez. Lisa, com seu sorriso infantil, disse: “Tudo bem mamãe, a senhora só tentou me proteger. Se eu tivesse lhe falado que tinha tanta curiosidade em saber o que havia lá fora, talvez a senhora me deixasse sair e isso não teria acontecido. Eu tive tanto medo de pedir isso a você que acabei fazendo com que eu mesma ficasse doente, me desculpe.”

Naquele dia, ambas chegaram ao consenso de que não importava de quem seria a culpa, e que as duas estavam profundamente arrependidas por não terem resolvido esse assunto antes.

Naquela noite, Lisa morreu. E mesmo assim, ainda se podia notar um enorme sorriso em seu rosto, graças a um floquinho de neve que começara a derreter dentro de sua gaveta.

2 comentários:

Vico Vinhal disse...

lindo o texto

do tipo que cada um tira uma liçao de moral diferente

=*

vitor vinhal

Victor Meira disse...

Tem uma coisa toda Amelie Poulain ou Tim Burton rolando nessa sensibilidade toda. É lindo, todo singelo, como o último. Cê sabe lidar de um jeito muito bacana com protagonistas infantis, é muito legal.

Engraçado explorar o motivo da neve. Aqui, pra nós, é uma coisa fascinante, mas em países que tem neve, a neve - se não incomoda - é coisa vulgar. A impressão que se tem é a de que caiu neve no Brasil. Hahahaha,

Ainda paira, num nível um pouco mais conotativo, a alusão à metáfora sexual, em que os pais proíbem e acabam se arrependendo.

Tudo muito bom, menos o tamanho. É grande mesmo pra internet. Na verdade, quase não incomoda, já que é narrativa simples e flui bem gostosa, mas tô falando porque acho que é uma boa pra vc conseguir mais leitores.

Bêjo Rê, adorei.